Artigo: O Impacto do Pilar 2 na Tributação Brasileira – Entendendo o adicional de CSLL e suas implicações para multinacionais.
O "Pilar 2" na tributação mínima mundial refere-se ao acordo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do G20 para implementar uma alíquota mínima global de imposto de renda para multinacionais. Esse acordo, estabelecido em 2021, visa reduzir práticas de evasão fiscal e a "corrida para o fundo do poço", onde países competem oferecendo alíquotas baixas para atrair grandes corporações.
Principais aspectos do Pilar 2 de tributação mínima global:
Alíquota Mínima Global: Estabelece uma alíquota mínima de 15% sobre o lucro das multinacionais que operam em diferentes países. Se uma empresa pagar menos que esse valor em um país, o país de origem da empresa pode tributar a diferença.
Aplicação às Grandes Empresas: Essa regra aplica-se a empresas multinacionais com receita anual acima de 750 milhões de euros (ou cerca de 850 milhões de dólares). A ideia é focar em grandes corporações que têm recursos para estruturar suas operações em locais com baixa tributação.
Objetivo de Combater a Erosão da Base Tributária: O Pilar 2 procura impedir que multinacionais transfiram lucros para países de baixa tributação, visando tornar a tributação mais justa entre as jurisdições e reduzir as lacunas fiscais que prejudicam a arrecadação de países.
Mecanismo de Implementação: Inclui uma estrutura que permite que países com empresas multinacionais apliquem a alíquota mínima caso outra jurisdição (onde a empresa opera) não o faça. Isso evita que países percam receita fiscal por conta da concorrência fiscal injusta.
Este acordo é parte de uma reforma tributária global maior promovida pela OCDE, com o objetivo de assegurar uma tributação mais equilibrada e mitigar práticas de evasão e elisão fiscal.
No âmbito do Pilar 2 da OCDE para a tributação mínima global, o pagamento do imposto funciona através de um mecanismo chamado "Regra de Inclusão de Renda" (Income Inclusion Rule - IIR) e "Regra Substitutiva" (Undertaxed Payments Rule - UTPR), que especificam como e onde o imposto mínimo será cobrado.
Vou tentar ser um pouco mais claro de como o processo e as retenções funcionam:
Regra de Inclusão de Renda (Income Inclusion Rule - IIR)
Esta regra permite que o país de residência da empresa-mãe (país onde a matriz da multinacional está sediada) cobre o imposto sobre os lucros que suas subsidiárias no exterior obtiveram em outras jurisdições com tributação inferior a 15%.
Como funciona: Se uma subsidiária em outro país paga menos de 15% de imposto, o país de origem da empresa-mãe tem o direito de tributar a diferença até que se atinja a alíquota mínima. Dessa forma, o lucro que é transferido para jurisdições de baixa tributação ainda será tributado de forma complementar pelo país de origem da empresa.
Regra Substitutiva (Undertaxed Payments Rule - UTPR)
Essa regra se aplica se a Regra de Inclusão de Renda não for suficiente para garantir a tributação mínima. Ela permite que outros países onde a multinacional tem operações cobrem a diferença de impostos para atingir os 15%.
Como funciona: Caso uma subsidiária pague uma alíquota inferior a 15% e a empresa-mãe não esteja em um país que implemente a IIR, outros países onde a multinacional opera podem aplicar a alíquota mínima em relação aos pagamentos de transferência de lucros. Essa tributação pode ser aplicada sobre transações específicas da empresa no país (como deduções por royalties e juros), garantindo que o imposto mínimo seja recolhido.
Retenção e Recolhimento do Imposto
O imposto será geralmente recolhido pelo país onde a empresa-mãe da multinacional está sediada, ou por outros países onde ela possui operações.
Caso a empresa opere em um país que não adote o Pilar 2, os países que aderiram ao acordo ainda podem aplicar as regras para tributar a diferença no imposto, prevenindo que os lucros sejam transferidos sem tributação adicional.
Cenário: Multinacional com Matriz no País A e Subsidiária no País B
Contexto: Uma multinacional opera em diferentes jurisdições e tem sua matriz no País A, que adota as diretrizes do Pilar 2 da proposta de tributação global. A subsidiária da multinacional está localizada no País B, onde a alíquota efetiva de imposto sobre os lucros é de 10%. O objetivo do Pilar 2 é garantir que as multinacionais paguem uma taxa mínima de imposto de 15% sobre seus lucros globais.
Aplicação do Pilar 2:
Direito de Tributar (IIR - Income Inclusion Rule):
O País A tem o direito de tributar os lucros da subsidiária localizada no País B. Neste caso, como a subsidiária paga apenas 10% de imposto, o País A pode aplicar uma alíquota adicional de 5% sobre os lucros da subsidiária. Isso significa que a multinacional, ao repatriar lucros do País B para a matriz no País A, terá que pagar um imposto total de 15% sobre esses lucros.
Vamos a um exemplo:
Se a subsidiária gera um lucro de $1.000.000, ela pagará $100.000 em impostos ao País B (10%). O País A, então, cobrará um adicional de $50.000 (5%), totalizando $150.000 em impostos, o que atende à exigência do Pilar 2.
Regra de Tributação de Países de Origem (UTPR - Undertaxed Payment Rule):
Caso o País A decida não aplicar a IIR e não cobre os 5% adicionais, outros países onde a multinacional opera têm a opção de implementar a UTPR. Essa regra permite que esses países cobrem a diferença para garantir que a multinacional pague o mínimo de 15% sobre os lucros.
Suponha que a multinacional também opere em um País C que possui a UTPR. Se o País C detectar que a subsidiária do País B pagou apenas 10%, ele pode aplicar uma taxa adicional de 5% sobre os lucros que são transferidos para lá, garantindo assim que a multinacional pague pelo menos 15% no total. Se a subsidiária repatriar $1.000.000 para o País C, este poderá exigir um imposto adicional de $50.000.
Impactos do Pilar 2
Uniformidade Tributária: O Pilar 2 visa eliminar a competição desleal entre países que oferecem alíquotas de imposto mais baixas, garantindo uma base mínima de impostos globais.
Planejamento Tributário: As multinacionais precisarão reavaliar suas estratégias de planejamento tributário, pois agora deverão considerar não apenas as alíquotas efetivas nos países onde operam, mas também a aplicação das regras de IIR e UTPR.
Aumento da Transparência: O cumprimento das novas regras exigirá uma maior transparência nas operações financeiras das multinacionais, pois elas precisarão reportar os lucros e os impostos pagos em cada jurisdição de maneira mais detalhada.
E o adicional de CSLL?
O adicional da CSLL instituído no Brasil pela MP nº 1.262/2024 e regulamentada pela IN nº 2.228/2024 (atualmente em consulta pública), esse movimento representa o segundo passo do Brasil para implementar as Regras Globais contra a Erosão da Base Tributária (GloBE), especificamente uma das quatro regras do Pilar 2 que trata do “Imposto Complementar Mínimo Nacional Qualificado – QDMTT”. Estas regras garantem que um imposto mínimo efetivo de 15% seja cobrado sobre os lucros em todas as jurisdições onde os rendimentos são auferidos.
É importante ressaltar que não há alteração da alíquota da CSLL, que permanece em 9%. O adicional de CSLL é um mecanismo exigido caso a tributação efetiva da empresa seja inferior a 15% no Brasil. Segundo a Receita Federal, o adicional se aplicará a aproximadamente 290 grupos multinacionais operando no Brasil, sendo cerca de 20 deles de origem brasileira. Atualmente, a alíquota nominal para as empresas no país é de 34%, distribuída entre 25% de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e 9% de CSLL.
A cobrança do adicional será aplicada para as empresas multinacionais sediadas no Brasil que tiverem receitas anuais acima de 750 milhões de euros nas demonstrações financeiras consolidadas da entidade investidora final, em pelo menos dois dos quatro anos fiscais anteriores ao analisado. A medida está prevista para entrar em vigor em janeiro de 2025, dando tempo para as empresas se adaptarem.
De acordo com dados divulgados pela Receita Federal, em 2022, havia 8.704 pessoas jurídicas que se enquadravam nos critérios da medida. Destas, 957 têm alíquotas efetivas de tributação do lucro inferiores a 15%, podendo, portanto, ser impactadas pela nova tributação. Além disso, a medida deve ser aplicada independentemente da opção pelo regime do Lucro Real ou Presumido.
Vamos a alguns exemplos:
No Brasil, onde a alíquota efetiva de imposto sobre as empresas geralmente chega a 34% (25% de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e 9% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)), o impacto do Pilar 2 pode parecer menos relevante, uma vez que a alíquota mínima global estabelecida é de 15%. Porém, o Pilar 2 ainda pode ter implicações para as multinacionais brasileiras e para subsidiárias de multinacionais estrangeiras no Brasil em algumas situações específicas.
Exemplo 1: Subsidiária Brasileira de uma Multinacional Estrangeira
Suponha que uma multinacional com sede em um país que adota o Pilar 2 (por exemplo, um país da União Europeia) tenha uma subsidiária no Brasil. A subsidiária no Brasil paga os 34% de imposto efetivo sobre os lucros aqui gerados, mas essa multinacional pode ter outras operações em países de baixa tributação.
Neste caso, o Pilar 2 busca garantir que não apenas os lucros brasileiros, mas todos os lucros globais da multinacional estejam sujeitos a uma tributação mínima de 15%. Assim, se essa multinacional opera em outros países onde paga uma alíquota efetiva inferior a 15%, o país da matriz terá o direito de tributar esses lucros adicionais para atingir o mínimo. O Brasil, nesse caso, não precisa se preocupar em ajustar sua alíquota, mas a multinacional terá que considerar o Pilar 2 ao planejar sua estrutura global.
Exemplo 2: Empresa Brasileira com Subsidiárias em Países de Baixa Tributação
Agora, suponha que uma empresa brasileira tenha subsidiárias em países com alíquotas inferiores a 15%. Neste caso, a autoridade tributária brasileira poderia, no futuro, adotar o Pilar 2 e aplicar a Income Inclusion Rule (IIR) para tributar os lucros de suas subsidiárias no exterior, complementando a tributação até 15% caso ela seja inferior a isso. Essa prática ainda não está estabelecida no Brasil, mas uma possível adoção das regras do Pilar 2 pode significar que as empresas brasileiras terão que pagar a diferença de imposto sobre os lucros de suas subsidiárias em países de baixa tributação, elevando a alíquota total para o mínimo de 15%.
Exemplo 3: UTPR Aplicada por Outros Países em Operações Brasileiras
Se o Brasil não adotar o Pilar 2, outras jurisdições onde a multinacional brasileira opera poderiam usar a Undertaxed Payment Rule (UTPR) para cobrar a diferença de imposto. Isso ocorreria, por exemplo, se uma empresa brasileira com subsidiárias em vários países transfere lucros para países de baixa tributação e não é tributada no Brasil sob as regras de Pilar 2. Nesses casos, os países onde essa multinacional opera poderiam cobrar o imposto complementar, evitando que os lucros escapem da tributação mínima de 15%.
Para evitar a erosão da base tributária, as regulamentações aqui mencionadas buscam harmonizar a tributação brasileira em linha com as regras da OCDE, e sua implementação em janeiro de 2025 requer atenção cuidadosa para evitar surpresas na carga tributária. Na prática, estas regras podem afetar alguns benefícios fiscais (sua eficácia) e, assim, aumentar a carga fiscal sobre as empresas (taxa efetiva).
BLOGS RELACIONADOS
Malha Fiscal IRPJ/CSLL: Tri...
A Receita Federal está enviando avisos a contribuintes co...
NENHUM COMENTÁRIO